quarta-feira

Manifesto Arte Pela Barbárie

Ave, Senhores!
Nós, que admiramos a vida, vos saudamos.
Nós, artistas, trabalhadores descartados como a maior parte da população;
nós, que nos reunimos em grupos para, coletivamente, criar outra forma de produzir e existir diferente dos cárceres privados das empresas;
nós, que pensamos e vivemos diferente dos Senhores, vejam só, vos saudamos.
Ave, Senhores!
Nós, que teimamos em sonhar, vos saudamos.
Os senhores certamente nos conhecem: nos últimos vinte anos dada a capilaridade do nosso fazer artesanal e cotidiano, embrenhamos o nosso teatro na vida e na geografia de todo o país.
Foi assim que algumas conquistas nossas impediram o saqueio cultural definitivo.
A disputa por uma arte e uma cultura de relevância pública como parte das prioridades de estado, fomentaram a partir de leis e propostas democráticas, a construção de uma consciência crítica, a ponto da questão cultural fazer parte das discussões mais candentes do dia-a-dia.
É por isso que nós, que fazemos no palco, a radiografia estética de sua civilização, de sua violência, guerra e morte, do seu desmanche de seres humanos, de seu mercado falido, de sua apropriação privada do mundo e de homens;
nós, que ousamos sonhar hoje para recriar a humanidade de amanhã, vos saudamos.
Por que lutamos para parar a lógica da desordem que é a concorrência e a guerra entre tudo e todos em nome do lucro, da propriedade privada, da acumulação de riquezas nas mãos de poucos.
Nós, que existimos, produzimos, criamos sonhos, idéias, seres humanos.
Mas não fabricamos, não podemos e nem queremos fabricar lucros.
Não somos, não queremos ser e não acreditamos em vossos valores e parâmetros de eficiência e auto-sustentabilidade.
Existimos.
Somos o outro de vós, a outra voz, outro corpo, outro sonho.
E nos afirmamos enquanto forma de produção e enquanto criação estética de pensamento e seres humanos.
É desse lugar que, mais uma vez, cobramos as promessas por uma sociedade mais justa, onde todos teriam direitos iguais.
Mas como isso será possível se 13% do orçamento da cidade de São Paulo e mais de 30% do orçamento do Brasil vão direto para os cofres dos banqueiros, sem nenhuma discussão da sociedade?
Como encarar a cultura como direito de todos, se a Prefeitura da maior cidade do país e o governo da União destinam menos de 1% de seus orçamentos para a cultura?
Como justificar uma divisão de recursos públicos que destina 200 milhões ao Fundo Nacional de Cultura e 1,4 bilhões ao marketing das grandes corporações através da renúncia fiscal, da famigerada Lei Rouanet?
Que reserva 38 milhões para o Teatro Municipal de São Paulo, 10 milhões para TODOS os demais núcleos teatrais da cidade e praticamente nada para os demais?
É pouco para o Teatro Municipal, é pouco para os grupos e é pouco para a arte e a cultura da maior cidade do país.Esses números traduzem a ausência de políticas públicas de Estado, a ausência da própria política: os governos e os espetáculos informativos da mídia privada apenas operam como gerentes e administradores dos negócios do mercado.
Ave, Senhores!
Ironicamente, apenas cobramos a realização da sua República e das suas leis.
Exigimos investimentos na cultura, entendida como direito extensivo a todos, direito que o mercado não consegue, não pode e não quer concretizar.
É simples assim: que o Legislativo legisle e o Executivo execute uma política pública de Estado, e não de governo, nas três esferas – municipal, estadual, federal, através de:
1) programas públicos – e não um programa único de ‘incentivo’ ao mercado – estabelecidos em leis, com regras e orçamentos próprios a serem cumpridos por todos os governos; programas com caráter estrutural e estruturante;
2) Fundos de Cultura, também através de leis, com regras e orçamentos próprios, como mecanismos para atender – para além do governo de plantão – as necessidades imediatas e conjunturais, através de editais públicos.
É hora de aumentar o orçamento do Programa de Fomento em São Paulo, aumentando o número de grupos dentro do programa e criando a categoria de núcleos estáveis;
é hora de criar o Fundo Estadual de Arte e Cultura, engavetado no governo passado;
é hora de desengavetar nossa proposta de lei que cria o Prêmio Teatro Brasileiro para todo o território nacional.Fora isso, é o império mercantil, a exclusão, a violência, a morte.
Ave, Senhores!
Nós, bárbaros, ao reafirmarmos a vida, vos saudamos.
ARTE PELA BARBÁRIE

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